“Meu Recanto – As Espumas do Amor”, de José Moreno

“Meu Recanto – As Espumas do Amor”, de José Moreno

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Este, o livro de poemas de José Moreno que me veio parar às mãos, de surpresa.

Quando o José Luís me falou de um livro de amor muito romântico que gostaria que eu apresentasse, fiquei convencida ser um romance de amor.  Em casa, cheguei a pensar em declinar o convite. Não me apetecia apresentar um romance. Estava, confortavelmente, a ler “Veromar”, de Dina Salústio, e  “Março entre Meridianos”, de Luísa Fresta, duas amigas, Mulheres de Março, que nos surpreendem sempre com uma escrita fantástica que ultrapassa todos os compromissos com a palavra escrita  … não me apetecia mais nada.

Mais tarde, depois de ter visto o livro, acabei por aceitar, por ser poesia, por ser uma primeira obra, por curiosidade … e ser o autor um jovem que escreve sobe o amor romântico, nos tempos que correm.

Quando falei com José Moreno, num primeiro contacto e lhe confessei essa minha curiosidade, deu uma gargalhada e disse-me: os homens já não sabem o que é o amor, afinal o sentimento mais sublime que existe no mundo.

Pois … é de amor que vamos falar, porque os poemas são hinos à mulher e ao amor, ao amor romântico,  ao amor pela família … ao amor  pela vida.

Fiz uma leitura do livro, sem a pretensão de fazer uma crítica, porque não sou crítica, não tenho a pena leve e sábia dos críticos literários.  Levo o meu tempo … lendo e anotando …  e amo a palavra, rejuvenescida … arejada … com vida … silenciada …

Estas, as notas da leitura que fiz deste primeiro livro de poemas, de José Moreno.  

Vejamos, brevemente, a trajetória do autor. Nascido em Cabo Verde, portanto islenho como muitos de nós nesta sala. Como nasceu este livro? O autor conta-no-lo na contracapa. Emigrante na Europa, foi um lutador e, observando com perspicácia o meio onde foi inserido, descobriu a complexidade das relações humanas ao longo de anos. Trabalhou nas obras, sofreu, chorou perdas de entes queridos, amou, foi amado por pessoas dóceis, recusou o pessimismo, o ódio e a inveja, cultivando apenas o amor, a bondade, o optimismo e a simplicidade, na privacidade da sua solidão. Este seu livro é um livro de memórias das suas vivências. Sentiu necessidade de as escrever.

O amor é uma constante presença na poesia de José Moreno e quase todos os exercícios poéticos deste livro são uma simbiose entre o ver, o aproximar-se, o penetrar e o sentir.

Das intenções, palavras e silêncios do poeta, aos belos exercícios eróticos, endeusando sempre a mulher amada, elevando o Amor ao eterno, ao divino e ao sublime, fui lendo e apreciando os 75 poemas que compõem esta colectânea.

Tudo é raro, porque inesperado. Senti-me recuar aos poetas românticos de antigamente.

Cito um verso que achei propício para ilustrar esta minha sentença. “Perdi minha inocência nos braços de uma deusa no colo de uma casta”.  Quem escreve assim? José Moreno.

Achei nos poemas deste livro, uma nova canção para navegarmos no silêncio, assim como o poeta viaja, ao longo dos 75 poemas, entre o mar da fantasia, da exaltação, da sublimação, da purificação e da conquista, no pudor e na ingenuidade da sua imaturidade, enquanto jovem.   

Vale a pena concentrarmo-nos em três poemas, “Meu Homem I – Meu Homem II e  Meu Homem III”, em que o poeta se expõe num corpo de mulher, e idealiza viagens fantásticas pelo mundo do prazer e do erotismo da mulher. Ele transfigura-se em mulher e, na nudez consentida no sonho, entrega-se, no máximo esplendor da sua sensualidade e intensa paixão, ao amor pelo seu homem.

Não será fácil para o homem imaginar-se corpo e alma de mulher para, em sonhos e na sua plena nudez, se revelar doce, feliz e saciada, nos braços do seu homem, másculo e magnífico, como o poeta se confessa nos poemas acima citados. Nem será fácil ajuizar os sentimentos, as reações e o julgamento da mulher, face à indiferença, à altivez, à ausência e às desconfianças do seu homem. Nem tão pouco, ter a certeza da sua transparente alegria, na sua transfiguração e entrega total, com o seu regresso, pleno de charme e uma flor na mão, ou a desinibida satisfação e imenso prazer de o ter de regresso ao leito.

Digo-vos que são misteriosos e sagrados  os comportamentos e as reações da mulher. Achei, pois, corajosa a incursão do autor no desconhecido mundo da mulher. Corajosa e idealizada com uma certa arte.

Direi o mesmo para o poema “Meu perfeito príncipe”. São desejos de uma mulher – carinhosos, ansiosos, sensuais e carregados de erotismo.

Quando uma mulher pede a um homem que desvende os seus segredos e entenda a sua alma, será que da mesma maneira o homem o pediria? Ou o homem nunca o faria? Fica a interrogação.

O poeta é, de novo, corpo e alma de mulher. Tenta levantar o véu dos desejos da mulher amada e ousa desvendá-los, com cuidado, e parece saber bem o que a mulher quer. No poema “És o meu doce”, ele surge num corpo de uma mulher insaciável,  plenamente presenteada pelo homem que a possui.   Continuo surpreendida com a audácia do poeta.  São sagrados os caminhos que a mulher percorre para chegar ao homem, só ela os deve conhecer. São intrínsecos da sua índole.

Os poemas de José Moreno, são noites de sonho, de sedução e de inspiração. Na união pela força do desejo há sempre promessas nos prazeres de um sonho novo. As lágrimas são de felicidade e são as flores, a lua, o sol, a noite, o dia, o TU e o EU que preenchem os silêncios das noites do poeta.

E assim é, porque o autor crê no amor que cresce salutar, que não nasce da mentira, que rejeita o ciúme, a frustração e a falsidade que germinam o ódio.

Como entender a linguagem do poeta? Ele próprio o diz: descobrindo através dos seus silêncios, dos seus monólogos, da descoberta dos sinais para quem se abre … esse o segredo da alma do poeta para salvar uma união.

Só uma alma gémea sua o conseguirá;  alma gémea na poesia, nos silêncios, nas cumplicidades, nas angústias, nas mágoas e nas alegrias, que conseguirá entender e chegar à união perfeita com o poeta.

E, no silêncio de todos os silêncios, o poeta endeusa a mulher amada, assim como nos silêncios de cada mulher … imagens sem vozes … chega ao silêncio íntimo e sagrado do Amor que toda a mulher deseja reter para si. Uma bela imagem do amor, da mulher e do próprio homem, apaixonado pela poesia e pelo amor de uma mulher.

Escolhi, para dizer, o poema da página 125, porque é o amor que nos faz viver.

Quando o Amor …
Quando o amor é o teu belo sorriso
os meus olhos regalam-se de ciúmes
no doce beijo que suavemente te ofereço
nestes lábios de mel que nunca hibernam
Quando o amor é o teu corpo esculpido
a vergonha do meu em suas guerras
brilha à luz do teu afago silêncio
o desconforto  do meu disfarce
Quando o amor é o café e a tua fé
o vinho que saboreias e a cola que consumo
transcendem no intenso prazer da nossa paz
no deus em meu corpo ao amém dos desejos teus
Mas, quando o amor és tu …
os adornos aos teus galanteios adjetivados
diluem-se no sangue que faz-me viver
e, na alma de todos os dias, querer amar-te …

Noutro poema, “Sombra”, achei bela a imagem da sombra, reflexo de noites sem luz, sombra … poder nas mãos do homem … a sombra contrapondo-se à luz.

Seria interessante que o poeta trabalhasse mais a sombra, noutros poemas: a luz e o silêncio projetados na vida, no poema e  no amor sem limites em que ele acredita.

Mas nem tudo são sorrisos azuis e andar de rosas nos amores do poeta. Há, também, grandes desilusões e frustrações, incertezas e perdas.

Estranho seria se viajasse sempre por sorrisos azuis e caminhos de pétalas. Não obstante, o livro é palco de um mundo de prazeres intensos, de fé no amor, na atração e na entrega.

Não esquecer, porém, que poesia não é sentimento, é linguagem. Não é experiência vivida, é experiência de linguagem. O que a poesia diz, o que a poesia chega a dizer, só pelos meios da poesia pode ser dito. As ideias poéticas nascem das palavras. Eis um primeiro verso que lhe foi oferecido:  “A inquietude caminha em soturna ausência” …. os restantes virão dele …

Será que posso classificar este livro de “divagações sobre o amor”? Aqui, todas as ruas vão dar ao amor, pesado de sonhos. E questiono: será que o mundo jaz hoje no medo de amar? Pergunta que o poeta responde com um sim.

O amor está no silêncio. Amar com palavras pode ser perigoso. Não será o caso do nosso poeta que hoje lança o seu primeiro livro, e que ergue-se, à vontade, com palavras sobre o amor, o sexo e a sedução,  amando com palavras. José Moreno terá um arquivo especial para os caminhos do amor. A ressaltar, em alguns poemas deste seu primeiro livro, a ênfase da linguagem corporal, a dimensão erótica, até através de uma voz feminina, no seu modo de reagir ao mundo dos sentidos.

O poeta é também poeta de silêncios. Poderão contar a frequência com que recorre à palavra silêncio. No silêncio sorri. No rasto do silêncio da amada, oferece-lhe as suas vestes. O silêncio em flor. Libertar o silêncio. Nas horas dos seus silêncios,  silêncios que assombram dúvidas. O silêncio em elmo de gelo. E continua no silêncio dos beijos, no silêncio dos seus pensamentos, nas noites de silêncio… E no intenso silêncio pede á amada que lhe oferte as surpresas dos perfumes nos seus dedos.

E é bom terminar no silêncio dos meus silêncios e, para que José Moreno nos diga algo sobre este seu livro de amor, tão romântico e pesado de sonhos e erotismo, liberto-me para vos deixar com os seus silêncios.

Comprem o livro para descobrirem este novo poeta cabo-verdiano a quem, talvez, possamos  chamar:o poeta do amor”.

Obrigada.

Carlota de Barros

Lisboa, 12 de Outubro de 2019