Vivências e voos na poesia de língua francesa, outra escrita de Mário Fonseca

Vivências e voos na poesia de língua francesa, outra escrita de Mário Fonseca

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Pretende-se dar a conhecer a outra escrita poética de Mário Fonseca e referir algumas vivências e voos conseguidos numa poesia influenciada sobretudo pela leitura de poetas franceses dos séculos XIX e XX, não esquecendo aqueles que por questões ideológicas contrárias ao pensamento colonial sofreram o exílio como forma de sobrevivência e de revolta.

Na condição de exilado Mário Fonseca sai das ilhas de Cabo Verde, estuda em Dacar, passa por Conakri, Rabat, Noukchott, Mauritânia e permanece algum tempo em Paris. Na entrevista realizada por Michel Laban em 24/8/1987 a Mário Fonseca, o poeta explica a razão de ter escrito uma parte da sua poesia na língua francesa.

Antes de 1964 já tinha expresso a ideia de escrever em francês, o seu pai tinha-o ensinado e em conversa com o poeta Arnaldo França ele demonstrou esse seu interesse. O poeta considera que a utilização da língua francesa não significa nenhuma rutura em relação à literatura caboverdiana e confessa:

Se descolonizarmos totalmente nossas “cabeças”, 
não há problema nenhum em escrever em português, 
em escrever em crioulo ou em francês. 
Que cada um faça a sua escolha. Livremente. 
[…] 
Para se escrever numa língua é preciso OUVI-LA, VIVÊ-LA.

(1987:485-486).

Segundo Mário Fonseca a poesia é paixão e ele vê como exemplo o grande poeta francês Paul Éluard que escreveu Liberté (1942) e a recolha de poemas com o título Le Dur Désir de Durer ilustrada com desenhos de Marc Chagall (1946) com ritmo musical preenchido de aliterações, repetições consonânticas, vogais, uma poesia plena de sons vibrantes que conseguem cantar, evocar um espaço de sonho onde a alma do poeta habita. Na verdadeira essência da poesia não cabem considerações filosóficas, políticas ou sociais, a não ser muito liminarmente. A poesia é eminentemente emotiva onde o poeta expressa os seus estados de alma, desde a angústia e frustração, a alegria e embevecimento.

Em Avant – propos do livro Mon Pays est une musique poèmes (1984-1986), Mário Fonseca justifica a sua escolha de escrever em língua francesa:

Si la raison profonde de mon attachement à la langue d’Éluard s’explique par le fait brut qu’elle "m’excite" et me jette dans un état que l’on pourrait appeler état de liberté 
[…] 
(1986 :7). 

O sujeito poético abre-nos o seu mundo interior. O leitor caminha por uma plêiade de poetas em dedicatórias e exaltações de grande sensibilidade, imaginação e criatividade. O seu canto é influenciado por essas vozes numa abertura sentida e partilhada, mas não perde a sua originalidade.

Mon Pays est une musique (1986) pretende ser um eco da morna, um prolongamento elaborado de nosso “destino di hómi”, “no meio di mar”, “ta busca caminho”… Mon Pays é uma música plural, o poeta insurge-se contra a ditadura e ele está à espera de ser lido e interpretado. Este livro é o reencontro do eu com a identidade que é feita pela presença do mar e praia-mar, símbolos muito importantes na sua poesia.       

No prefácio Mário Fonseca diz:

C’est dans cette langue, qui n’est ni celle de mes ancêtres, 
ni celle de mon pays, puisque je suis Capverdien, 
que j’ai pourtant choisi de dire mon âme.

(1986 :7)

Por simpatia e assimilação, o poeta escolhe Paul Verlaine, Charles Baudelaire, Rimbaud,Mallarmé, Paul Éluard, Louis Aragon e outros que vão estar presentes na construção de uma escrita cheia de ressonâncias culturais.

O poema Coup de foudre realça o olhar do poeta em relação ao seu país:

Même si je ne devais plus jamais retourner
Au frais pays des verts tamariniers
Des voiles
Et des conques
Où depuis le commencement du monde
Somnole mon cœur musicien. 

(1986:29). 

Essa musicalidade que surge no decorrer da sua escrita e em especial ao gosto da Arte poética de Verlaine no poema Mon pays est une musique, na segunda parte, (1986:88), poema dedicado a Baltazar Lopes e a Clotilde Böhm. A Art poétique escrita por Paul Verlaine em Jadis et Naguère (1885) :

De la musique avant toute chose,
Et pour cela préfère l’Impair 
[…] 
De la musique encore et toujours! 
Que ton vers soit la chose envolée 
[…] 

A inspiração poética do eu em L’Art Poétique, a sua  música interior que está em consonância com o lirismo expressivo e musical do poeta Mário Fonseca:

Mon pays est une musique que j’entends quand je n’entends plus rien

(1986:88).

Os temas da errância, do mar, da areia e da liberdade estão presentes na primeira parte do poema Sur Fond de Peau Fraîche de Femme de influência de Saint-John Perse. Mário Fonseca constrói uma

Symphonie d’ailes et de lumières
d’un oiselet sans ailes ni lumière
qui s’élance quand même
dans la mer des étoiles

(1986 :36)

No poema Rentrer sente-se a presença de Rimbaud e de Paul Verlaine, não esquecendo a experiência de exílio focada por Saint-John Perse em Exil e em Signes (Poèmes bédouins) que são 8 poemas dedicados às seguintes temáticas: o mar, o regresso e o deserto.

A experiência do exílio escrita por Edward Said

constitue l’un des grands motifs de la modernité, cet âge de l’anxiété et de aliénation. 
L’exil s’articule autour de la perte, la rupture, la séparation et la souffrance et révèle ainsi une expérience individuelle. 

(2003:25). 

Não se esquece que o poeta abre a recolha de poemas de Mon pays est une musique com uma estrofe de Alain Bosquet, o poeta que dá liberdade a cada uma das palavras.

E é essa liberdade que continua presente no poema CUL-DE-SAC (1986:60) em La Ballade de Martin Eden, poema dedicado a seu filho Mário Osvaldo Fonseca. É de assinalar que a estrofe começa:

Puis, à cause d’une dame 
[…] 
E beaucoup mourir
Sur les blancs rivages
Avant de perdre la mer
Et ton bateau si beau
Et de te perdre toi-même
Dans la mer de la mer. 

(1986 :62)

apresenta ressonâncias do Bateau Ivre de Rimbaud, o poeta da liberdade da palavra.

Neste livro abundam questionamentos e interrogações e a contínua presença do mar no poema Secret music 

Je n’ai jamais compris
pourquoi il y a des îles/et leur mer
de silence
et cette musique inaudible
mais qui sonne dedans
et qui traîne
dans les trous
et les creux
et les lacunes
interminables
de ma vie.

(1986 :67)

A rutura na linguagem, própria do surrealismo, uma exaltação a Verlaine e Mallarméno poema “Je demande pardon pour Verlaine pédé et Mallarmé le mot.” (1986 :70), Boris Vian “Je demande pour Boris Vian net son plan lacustre” (1986 :74).

Em «Rêve Presque verlainien » a presença de Paul Verlaine e inicialmente apresenta uma estrofe de Mon rêve familier (1986 :82) escrita por Paul Verlaine :

Je fais souvent ce rêve étrange et pénétrant
D’une femme inconnue, et que j’aime, et qui m’aime
Et qui n’est, chaque fois, ni tout à fait la même
Ni tout à fait une autre, et m’aime et me comprend… 

O texto de Mário Fonseca:

Mon rêve à moi est d’une femme verte aux cheveux rouges 
[…] 
Lorsque je ne me comprends pas bien. Ses yeux, miroir
Où je retrouve le regard de mes bien aimées,
Chaque soir, sont ceux d’une autre et même femme à aimer.

(1986 :82)

a temática do olhar, ressonâncias da poesia de Paul Éluard do poema Même quand nous dormons:

Même quand nous dormons nous veillons l’un sur l’autre
Et cet amour plus lourd que le fruit mûr d’un lac
Sans rire et sans pleurer dure depuis toujours

(1983 :297)

Amour de Jandira… 

Amour de Jandira
ce haut parler de France
m’est une musique
ce matin ma vie
en vous a commencé

(1986 : 83)

A música no poema “Mon pays est une musique” com dedicatórias a Baltasar Lopes da Silva e Clotilde Bohem. Nítidas influências de Paul Verlaine et de Rimbaud.

O poema “Balade de la maitresse insaisissable” (Lettre sous forme de ballade au poète Arménio Vieira) a presença da Música seguida do poema «Petit lettre au poète Arménio Vieira à propos d’une française très française» (1986:94).

« Portrait » com dedicatórias a Antonin Artaut e Georges Bataille, «Temps Suspendu”, a suspensão do tempo muito presente no romântico Lamartine, temática retomada por Paul Éluard. (1986:97) e a invenção do amor no poema “Il faut bien qu’amour se chante…” (1986:107).

Neste percurso o eu poético não se esquece de seu pai e dedica-lhe um poema à sua memória: ”POEMES D’UN CADAVRE IRREMEDIABLE SOUS FORME DE QUESTIONS” (1986:109), uma escrita feita de interrogações.

O poema “Comme on vient toujours trop tard” (1986:111) dedicado ao grande poeta e amigo Arménio Vieira, alusão a Blaise Cendrars, René Char, Pessoa, Maiakosky, de novo Blaise Cendrars no poema e o grande desejo do poeta

Si j’étais Blaise Cendrars
Ah ! si j’étais Blaise Cendrars
Je prendrais un bateau
Pour aller au diable

(1986:113)

Jules Supervielle, Samuel Becket no poema Le Spare Raye em epígrafe um excerto de «En attendant Godot» (1986:135).

O poema «The Stone Fish» com dedicatória a Lépold Sedar Senghor. 

No texto “Mon Pays” (1986:118) o sujeito poético manifesta esse desejo de liberdade, muito influenciado pela poesia de Paul Éluard:

L’impérieux désir
D’être libre
Et frère
De tofus les hommes.

(1983 :297)

Não se esquece a citação de Pierre Reverdy colocada no poema PLAIDOYER POUR L’INNOMME IMPORTUN INOPPORTUN.

Os poemas INEXIXTANT, PROFONDS QUAND ILS S’AIMENT… e PROFONDS QUAND ILS S’AIMENT… traduzem a musicalidade do poema e a sua criatividade. A este propósito Dulce Almada disse: 

este livro revela uma luta contínua por um ponto de equilíbrio que o autor procura com muita lucidez, sem ilusões e sem desespero.

(1986:174).

Ainda o poeta introduz François Villon, Poe, Baudelaire, Mallarmé “Poe sous l’arbre Baudelaire attend Mallarmé” (1986:63), na dedicatória na V parte do poema JUSQU’A PERDRE CAP, a presença de Max Jacob e na parte VI, Nadine Gordimer.

L’Odoriferante evidence de soleil qu’est une Orange (1997) abre com os nomes de André Therisse ede François Villon:

Petits exercices en français
D’un poète exilé de son pays
Et de sa langue. 

Quando o leitor começa a ler “Les Petits exercices en français I” (1970:7)) sente que está diante de uma ballade reflexiva, uma confissão desesperada, por outro lado depara-se com uma linguagem muito próxima do poeta Paul Éluard e mostra a sua admiração não só por esse poeta como também pela língua francesa:

Une fois initié
Aux douceurs
De la langue d’Éluard
Il fallait, ô il fallait!
Que j’y plonge
Moi aussi
Qui n’écris
Que dans les langues
Des autres
Toute langue
Etant un circuit fermé
Avec des portes d’entrée
Et des portes de sortie
Il est bon de pouvoir
Changer de prison
Même si ce n’est que
Par la porte de service

(1997 :18)

Petits Exercices En Français II (1970-1980), no poema “Parole” (1997 :28), o poeta assimila o pensamento de Paul Éluard. Em “Compagnons du temps jadis”  relembra o espírito colectivo desse poeta que escreveu o poema La poésie doit avoir pour but la vérité pratique (dédicace À mes exigeants).

O sujeito poético em  «Compagnons du temps jadis»:

Convaincus et superbes comme des dieux
Mes compagnons ô mes fous amis
Que nous étions épiques 
[…] 

(1997 :31)

Um novo um cântico forte e bélico do poeta Mário Fonseca semelhante ao grito pela liberdade em Liberté de Paul Éluard: 

Et par le pouvoir d’un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer
Liberté.

(1983 :299). 

Alain Bosquet, presente na dedicatória do poema «Tentation» (1997 :35), homenagem a Pierre Reverdy no poema “Dans le silence de cette nuit” (1997 : 37). 

Le Frais Vrai Vin (1987-1990) com a escrita “De Stendhal a Flaubert” (1997 :49) que volta a Flaubert no poema “La ou régne la tortue” (1997 :83); Alain Bosquet, Pierre Reverdy

Dans le silence de cette nuit 
[…]
Dans le silence de cette nuit
Où nulle guitare ne pleure
Où nul violon ne pleurniche

(1997 :37)

Williams Sassine africano que nasceu em Kankan e viveu exilado em regiões de África, Mário Fonseca dedica-lhe: «MEME LES MORTS N’AIMENT PAS MOURIR» (1997:43), «Hommage a Philippe Soupault sous forme de ballade en colimaçon» (1997 :58), «Le portrait d’Éluard» (1997 :69) com o poema ELUARD POUR ETRE LIBRE, (1997 :70), a liberdade do eu poético, esse pedido “leur désir de prendre pied sur la terre de nos rêves» (1997 :70) com PORTRAIT D’ELUARD «Ce profil dont les cheveux ouvrent le front à la pensée…, Armando Dupret em 75. LA TORTUE MELANCOLIQUE 1989-1991(1997 :75), o poema «LA OU REGNE LA TORTUE» (1997 :83)  «La vie est triste comme un poème de Flaubert» (1997 :83). Há neste poema uma relação dialógica e semântica com «La mort d’Emma» de Flaubert”. Blaise Cendras no poema ECRIVRE, Raymond Queneau e Arménio Vieira em « PROSE D’UNE MORT REPORTEE».

Na terceira parte L’ODORIFERANTE EVIDENCE DE SOLEIL QU’EST UNE ORANGE (1990-1991) alusão a Benjamin Péret que está presente no poema

Si Benjamin Péret le voulait, même là où il déménagé
les étoiles viendraient picorer dans son assiette
au lieu de se contenter d’être des oiseaux sans bec

(1997 :109) 

e Antonin Artaud

Si Antonin n’avait pas mis au monde Artaud
la poésie n’aurait pas perdu ses dents de lait.

(1997 :112)

Outros escritores são focados:Lenine, Sade, Diderot, Omar Khayam, Gilbert Lely. De novo o poeta faz uma referência sentida à recolha de poemas Le Dur Désir de Durer (1946) de Paul Éluard e escreve:

Si le désir de durer n’avait pas enfanté
un enfant nommé PAUL l’amour n’éclaterait pas
comme il le fait dans cette odoriférante évidence
de soleil qu’est une ORANGE
(1997 :114)

O poeta reflete no poema « Un poème, bien sûr, n’est pas un oiseau » (1997 :16).

Samuel Beckett com o poema Beckett:

Ma vie était jadis un beau miroir
Où se miraient parfois
Des astres
Et même des poèmes
Avec leurs petites têtes de poèmes
Bourrées de rêves farfelus
Qui chantaient
Comme ne le fait aucun oiseau qui se respecte. 

(1997 :125) 
T’es belle comme une orange pressée
qui aussitôt pressée reprend du jus
et t’es encore plus belle parce que je t’aime. 

(1997 :126). 

O poema nº 24 que fala da temática do amor, o canto do homem

qui se bat, sont bien nées de Louis qui se souvenait
et se souvient

(1997 :128). 

(Há uma referência na história de amor do poeta Louis Aragon e da sua musa que foi Elsa Triolet e que está muito presente no texto escrito por Louis Aragon «L’amour qui n’est pas un mot» ou mesmo no poema «Après l’amour».

Neste percurso o sujeito poético alude a Guillaume Apollinaire em “Le Pont Mirabeau”; relembra Pierre Reverdy no poema Qui est Pierre Reverdy: 

C’est une pierre qui s’anime et se met à chanter

(1997 :131) 

e Roger Arnould-Rivière, poeta francês ao estilo de Rimbaud.

 O livro La Mer À Tous Les Coups expressa um conjunto de poemas que são reflexões amargas, marcadas pelo desespero e segundo Arménio Vieira

uma “exortação à liberdade e à plenitude, celebração do mar, ou antes, da imensidão oceânica – nas suas duas dimensões, a real (em termos físicos) e a simbólica.

(1990 :9

Os primeiros poemas de LA MER À TOUS LES COUPS expressam a presença da tristeza:

Ah ! tout pays natal est amer.
Telle est la loi que m’ont apprise 
[…] 
L’amer pays mien
Va-t-il enfin s’ouvrir
Et se refermer
Sur son enfant 
[…] 

(1990 :20)

sente-se uma certa influência de Paul Verlaine. LA MER ENCORE UN COUP apresenta dois versos de René Char que são retirados do poema Afin qu’il by soit rien changé. O poema «Ce que mer inspire» com dedicatória a Jean-Baptiste Tati-Loutard (1990 :43) Este poeta nasceu no Congo e escreveu “La poésie de la mer” (1990 : 43).

No espaço do sonho o sujeito poético cria a presença de uma mulher que não existe a não ser no seu imaginário.

Hélas! Et malgré moi et continuer mon rêve?
Ou la garder pour moi et dire adieu au rêve
ET VIVRE DESORMAIS SANS ISSUE SUR LA MER?

(1990:45)

Os poemas « Un Sommeil aux ailes de soie… » (1990:47), “Et si nous rentrions au berçail…” com dedicatória a Jean Marie Adiaffi, poeta da Costa de Marfim, « L’ETERNITE » com dedicatória a Edouard Maunick e Vadinho Velhinho Rodrigues (1990:49).

O poema “Turbulent petit oiseau…” (1990:55) apresenta a imagem do pássaro que voa, também presente em “Les Animaux et leur hommes…” de Paul Éluard e em “LibertéEm L’OISEAU DE FEU

Désir, oiseau de feu
Brûle d’un trait ce qu’il aime

(1990 :120)

A imagem de “l’oiseau” presente no poema “Un oiseau” de René Char e em Le Phénix de Paul Éluard.

Nesta exaltação de leituras feitas, o sujeito poético continua a sua trajectória por espaços de escrita de outros autores e no poema “Un bruit sourd…” com dedicatórias a Jean-Cussat Blanc, Odile, E.J. Maunick e José Cunha; em “LA FEMME EST LA…” com dedicatória a Robert Sabatier; e “LA TORTUE” com dedicatória a Jean-Jacques Bloch.

O caderno LA MER N’EST PAS UNE CONSONNE (Antipoème de la mer) com palavras de Jacques Dupin de L’Embrasure:

Expérience sans mesure, excédante, inexpiable, la poésie ne comble pas mais au contraire approfondit toujours davantage le manque et le tourment qui la suscitent.

(1990 :100)

Menu Fretin II o poema

L’amour est un pot de chambre
Rempli de larmes de crocodile
et de fausses promesses

(1990 :148)

COMME UN CHIEN, com dedicatória a Gérard Clavreuil, em seguida com o verso de Paul Éluard “La terre est bleue comme une orange”, primeiro verso do poema “L’amour la poésie”. O poeta sofre influências de Éluard e integra o mesmo verso no texto CLARA DE TAGANKA:

A Taganka la terre était encore bleue comme une orange, comme au petit matin des commencements […] 

(1990 :156)
Achet rentrons à Taganka y mordre l’orange.

(1990 :156). 

O caderno HOMMES MAJUSCULES com palavras de René Char:

Ne te curves que pour aimer. Si tu meurs, tu aimes encore.

em Les loyaux adversaires.

O poema De Profundis Clamavi cujo título já dado por Charles Baudelaire a um dos seus sonetos de LES FLEURES DU MAL. O poeta dedica o poema a Thomas Sankara, líder carismático, teórico do pan-africanismo e indicado como o Che Guevara africano. Uma exaltação ao líder Thomas Sankara. Ele continua nos poemas 2, 3,

Comment/rester homem
Sur cette terre de malédiction
Où le sang le plus généreux 
[…] 

(1990:169)

É no poema 4 que o sujeito poético evidencia o seu sentimento de revolta:

Ah! vous nous tuez et nous mourons, certes
Mais croyez-vous que nous ne reviendrons pas
Pour vous chasser et enterrer jusqu’au dernier?

(1990:170) 

Todo o poema expressa os sentimentos do eu face às vivências políticas de Sankara; LES APPRENTIS SORCIERS com dedicatória a Donatien Alphonse François de Sade que permaneceu preso muito tempo na Bastilha, em seguida esse rasgo de liberdade está sempre presente na sua poesia e termina com o texto poético NAISSANCE DU POEME, a escrita consegue sobreviver a tudo. (1997:174).

Toda este percurso feito pelo sujeito poético nomeando nomes que marcaram o cânone da literatura francesa são testemunhos de todos aqueles que sofreram a repressão ideológica e utilizaram a escrita como agente de mudança.

No desejo pela liberdade, o poeta caminha em voos dispersos que espelham uma invulgar cultura literária, um homem de talento como disse Jorge Carlos Fonseca. Conforme Mário Fonseca disse a Michel Laban:

É sempre de dentro para fora que o poeta vê o mundo. Tudo lhe é interior. 
[…] 
Ela se faz com palavras, com sons mais do que com ideias 
[…] 
Cabe-lhe reinventar o mundo pelo sonho e pelo som, 
criar um espaço mágico sonoro onde o amor seja possível.

(1987:483)

Um cântico interior que marca a cadência, o movimento e a liberdade de um eu que espelha sentimentos, memórias, tristezas e impressões que colhe nos diversos percursos e espaços poéticos de autores de sua preferência e que estão presentes na sua criação literária. Ele sabe ver e dar a ver a dimensão universal da função da poesia. As dedicatórias, reflexões, diálogos e relações intertextuais ao gosto de Júlia Kristeva, Bakthine ou de Roland Barthes, em torno da produção cultural de língua francesa, contribuem para problematizar à luz de outras culturas, novos olhares na produção da escrita literária da geração transicional caboverdiana.

A arte poética de Mário Fonseca está aberta à dimensão de um mundo textual de diferenças e semelhanças, propõe um novo olhar da criação literária como construtora de uma nova poesia de cariz universal que contribui para o seu enriquecimento estético-formal, mediante a incorporação de novas tendências artísticas resultantes de cantos de Orfeús que numa geografia literária lutaram pela liberdade.  

Termina-se com as palavras de Arménio Vieira:

[…] 
o autor pertence à estirpe dos poetas que demandam o Ideal,  esse lugar que nenhum mapa assinala e que parece situar-se num país distante chamado Utopia, algures no mar largo.

(1990:7) 

em «Prólogo» de La Mer À Tous Les Coups.

Bibliografia

  • FONSECA, Mário, 1986, Mon pays est une musique – poèmes 1984-1986, Mauritanie, Nouakchott.
  • FONSECA, Mário, 1990, La mer à tous les coups, Cabo Verde, Imprensa Nacional de Cabo Verde.
  • FONSECA, Mário, 1997, L’odoriferente evidence de soleil qu’est une orange, São Vicente, Spleen.
  • LABAN, Michel, 1987, Cabo Verde encontro com escritores, Porto, Fundação Eng. António de Almeida, v.2. 
  • ROY, Claude, 1983, Anthologie de la poésie française du XX siècle, Paris, Gallimard.
  • SAID, Edward, 2003, Reflexões sobre o exílio e outros ensaios, São Paulo, Companhia das Letras.

 Vivências e voos na poesia de língua francesa, outra escrita de Mário Fonseca

Maria Raquel Alvares

Mon pays est une musique

Mário Fonseca